Um breve histórico da censura da Liberdade de Imprensa no Brasil
Hoje é comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Em linhas gerais, liberdade de imprensa é a capacidade de um indivíduo de acessar e publicar informação através dos meios de comunicação em massa sem a interferência do Estado. Esse conceito, que está intimamente ligado à liberdade de expressão, desempenha um papel de extrema importância nas sociedades democráticas, pois incentiva a difusão de diferentes pontos de vista e promove a troca de ideias.
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi proclamado pela Assembleia Geral da ONU, em 1993, em seguimento à Recomendação aprovada na 26ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, realizada em 1991. A data tem o intuito de incentivar e desenvolver iniciativas em prol da liberdade de imprensa, assim como avaliar a situação dessa liberdade em todo o mundo.
Nesse dia, buscamos informar os leitores sobre as violações à liberdade de imprensa já ocorridas no Brasil – um lembrete de que, em muitos países do mundo, ainda há publicações que são censuradas, multadas e suspensas, da mesma forma que jornalistas, redatores e editores são perseguidos, atacados, detidos e até assassinados.
Os primeiros tempos
Hoje, o Brasil ocupa o 105o lugar no ranking da classificação mundial da liberdade de imprensa (Repórteres Sem Fronteira, 2019). Ainda que esse dado nos leve a refletir sobre o quão livre é a circulação de informações em nosso país atualmente, a imprensa brasileira já passou por momentos piores no que tange a censura.
Durante o período colonial, era proibida toda e qualquer atividade de imprensa — fosse a publicação de jornais, livros ou panfletos. Somente em 1808, com a chegada da família real, o príncipe-regente D. João VI cria a Imprensa Régia. A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal brasileiro, começa a circular em setembro daquele ano, e o Correio Brasiliense, que fora feito em Londres a partir de 1º de junho, chega ao Brasil apenas em outubro. Até 1820, apenas a Gazeta e os próprios impressos feito pela Imprensa Régia podiam circular no território.
Tudo o que se publicava na Imprensa Régia era submetido a uma comissão formada por três pessoas, destinada a “fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes”. E a situação não mudou muito com a independência.
Em 1824, a primeira constituição brasileira outorgada por D. Pedro I, estabeleceu a liberdade de imprensa como norma, mas, como aconteceria com as Cartas posteriores, incluiu limitações suficientemente vagas para que os governos de turno aplicassem restrições..
Já no Segundo Reinado, os meios de comunicação brasileiros experimentam notável avanço. Do ponto de vista da liberdade de imprensa, o Reinado de Pedro II foi mais flexível. Tal circunstância foi, em grande parte, decorrente da postura tolerante do monarca frente às críticas escritas e ao deboche das caricaturas (que na ausência das fotografias eram a principal forma de ilustração).
Durante esse período, os jornais que pregavam a mudança da forma de governo nunca foram reprimidos por isso, ao contrário do que ocorreria com as publicações monarquistas, após a Proclamação da República.
Imprensa republicana
Como vimos acima, Dom Pedro II, apesar de todo o poder que a Carta lhe concedia, não realizou nenhum tipo de perseguição à imprensa, garantindo a livre difusão de ideias. Sem dúvidas, esse foi um fator que facilitou a Proclamação da República, pois foi por meio de diversos jornais, tais como “O Abolicionista”, que foi possível a difusão das ideias republicanas e diminuição do prestígio do Império, especialmente entre as classes mais abastadas.
Entretanto, com a Era Republicana, a imprensa atravessou um novo ciclo de transformações. A chamada República Velha (1889-1930) teve história acidentada, marcada por revoltas militares e civis, prolongados períodos de estado de sítio, além de medidas de repressão às liberdades em geral e em particular à de imprensa, como a Lei Adolfo Gordo, que restringia a atuação da mídia. E, além da repressão, não foram poucos os casos em que recursos públicos foram utilizados para corromper jornais e jornalistas, em especial sob o governo Campos Salles.
Da Revolução de 1930 até o fim do Estado Novo, em 1945, o quadro político brasileiro oscilou bastante e, com isso, também oscilava a situação da imprensa. De início, a imprensa acompanhou o breve interlúdio democrático que culminou com a Constituição de 1934, posicionando-se em função dos acontecimentos, inclusive alinhando-se com as facções em combate em 1932.
A partir do golpe de estado de 1937, porém, o espaço para o exercício da liberdade de imprensa desapareceu e até mesmo as diferenças políticas regionais foram sufocadas. O peso do Estado fez-se crescente sobre os jornais com base numa Carta constitucional outorgada no mesmo ano, que tornava a imprensa um serviço público e, como tal, sujeita ao controle estatal.
Em 1939, o governo reformulou seu organismo de propaganda criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) com as atribuições de censurar toda a produção jornalística, cultural e de entretenimento, produzir conteúdos e controlar o abastecimento de papel.
A polícia política vigiava de perto os profissionais de imprensa e os jornais eram submetidos à censura, com a reprodução obrigatória ou enfaticamente induzida da propaganda estatal, pressionados por meio de verbas publicitárias, financiamentos e subsídios ou obstáculos ao fornecimento de insumos, quase todos importados.
A deposição de Vargas representou o início de uma experiência democrática republicana como o país ainda não havia experimentado. O período de 1945 a 1964 foi um tempo de transição do Brasil e de sua imprensa. Havia absoluta liberdade, mas as relações entre o governo e os jornais e entre o governo e os jornalistas mantinham algumas práticas do passado, que começaram a perder terreno frente a uma crescente participação da publicidade privada no faturamento das empresas jornalísticas, decorrente da modernização econômica.
Censura no período ditatorial
Durante o regime militar iniciado em 1964, todas as formas de perseguição foram intensificadas, além de outras terem sido elaboradas. Após a promulgação do Ato Institucional 5, todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta previamente aprovada e sujeita a inspeção local por agentes autorizados.
Esse controle sobre a opinião pública e sobre todas as áreas da vida social contou com diversos órgãos, tais como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que compunham as engrenagens de um sistema de desmobilização popular e de perseguição à dissidência a partir da repressão política, da censura e até mesmo da tortura. A Lei de Imprensa (1967) também contribui para o controle das informações veiculadas pela imprensa nacional, prevendo severas punições a jornalistas e meios de comunicação.
Nesse cenário, estimulou-se o surgimento de outra imprensa, menos oficial: a alternativa ou “nanica”. Seu precursor foi Millôr Fernandes. A imprensa alternativa foi um espaço importante de crítica ao regime militar, de divulgação de denúncias, e de debate das organizações de esquerda. Por meio do humor, da análise política ou da informação, esses jornais e revistas alternativos cumpriram um papel fundamental de oposição e resistência à ditadura no Brasil.
Em agosto de 1974, o presidente da República, general Ernesto Geisel anunciava uma “lenta, gradativa e segura distensão”. A partir dessa data ocorreu efetivamente uma abertura política, embora prosseguisse os atentados aos direitos humanos e à liberdade de imprensa.
Entre os casos trágicos de maior repercussão está a morte – suicídio por enforcamento segundo a versão oficial – do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975.
A imprensa brasileira no século XXI
A promulgação da Constituição de 1988 consolidou o princípio da liberdade de imprensa como nenhuma outra antes, mas deixou indefinida uma série de outras questões.
Até hoje, decorridos 20 anos, não está claro se manteve vigente a legislação anterior sobre assuntos como a regulamentação profissional, e, somente em 2008, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a vigência de alguns dispositivos da antiga Lei de Imprensa.
A fase mais recente da história dos jornais brasileiros é marcada por circunstâncias únicas. Embora a Constituição de 1988 faça a distinção entre censura e controle, a carta magna se posiciona firme quanto ao cerceamento da liberdade de expressão, incluindo a de imprensa, como está disposto no artigo 5º, inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ou ainda, no artigo 220, parágrafo 2º: “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Embora a carta constitucional proíba a censura, ela regula alguns tipos de controle realizados na imprensa, principalmente em relação à televisão. Eles são administrativo, judicial, auto-regulação e social. A última lei que se referia à liberdade de imprensa no Brasil foi a federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, promulgada em plena ditadura militar.
Esperamos que essa breve linha do tempo tenha ajudado a esclarecer um pouco sobre a trajetória da liberdade de imprensa no Brasil. E essa trajetória ainda não chegou ao fim, temos um longo caminho a percorrer até que tenhamos um Estado plenamente democrático onde possamos gozar plenamente de nossas liberdades e direitos. A Jornal Jr. apoia essa causa!