O Wikileaks ganhou, uma vez mais, a atenção das pessoas.
Neste domingo, o site publicou mais de 90 mil documentos secretos sobre as operações militares dos EUA, entre 2004 e 2009, no Afeganistão. Os documentos revelam detalhes nada positivos da atuação do exército americano no país, como mortes de civis não divulgadas.
A publicação dos relatórios mostra que algumas publicações estão tentando atender a uma das habilidades cada vez mais exigidas das equipes de jornalismo – conseguir transformar montanhas de dados em algo legível para os leitores.
NYTimes, Guardian e Der Spiegel receberam com antecedência de quase um mês os relatórios, que estavam em formatos como KML, CSV e SQl. A intenção era que eles tivessem tempo de analisá-los, checá-los e apresentá-los da forma mais atraente e legível aos leitores.
Por coincidência, o Wikileaks enviou as informações para duas das publicações que mais têm efetivamente trabalhado com a questão do jornalismo de dados.
Guardian, mais experiente em lidar com dados, foi o que melhor apresentou e contextualizou o material. Um infográfico interativo foi produzido. Cada relatório foi plotado em um mapa.
O NYTimes, por sua vez, preferiu montar uma reportagem grande com destaque aos casos mais polêmicos e links diretos para os documentos.
Para entender o Wikileaks, responsável pela divulgação dos documentos, é necessário conhecer um pouco o mantra de que “a informação quer ser livre”. No caso, os fins justificam os meios. O importante é que os documentos fiquem online e acessíveis a qualquer pessoa.
O Wikileaks surgiu em 2006, criado por Julian Assange, importante hacker e ativista da transparência pública na Austrália. Hoje o site é considerado uma organização internacional ligada à liberdade de expressão na web. Conta com uma equipe formada por jornalistas, matemáticos e dissidentes chineses responsáveis por fazer uma checagem inicial das dezenas de documentos sigilosos e denúncias que chegam ao site.
Na prática, funciona como ponte entre denunciantes e o público em geral. A pessoa envia os documentos ao Wikileaks, tem a sua identidade mantida em sigilo e as informações são tornadas públicas.
Concordo com Alexis Madrigal, editor do site da revista Atlantic. Apesar de ter servido de canal para importantes denúncias, como o vídeo da morte dos jornalistas da Reuters no Iraque, ainda é cedo para julgar o Wikileaks. Ninguém sabe com 100% de certeza o que ele é e como realmente funciona. Em princípio, parece que o seu interesse é público e não político em divulgar esse tipo de informação.
No caso dos documentos do Afeganistão, acredito que, no final das contas, o vazamento chamou mais atenção do que o próprio conteúdo dos relatórios.
Neste sentido, é um exagero, claro, acreditar que o Wikileaks substitui o trabalho de algumas publicações. Pelo contrário, ele exalta mais ainda o trabalho delas.
O próprio diretor do Wikileaks já afirmou que seu site sozinho não faz muita coisa. O Wikileaks nasceu no ambiente de informação da internet, onde coexistência é uma palavra importante.
No caso, o Wikileaks divulga apenas as informações brutas. Quem tem paciência ou tempo para analisar mais de 90 mil planilhas? É aí que entra a habilidade dos jornalistas e dos programadores-jornalistas de checar, analisar, questionar, mesclar (mashup) e tornar legíveis esses dados, seja em forma de infográficos, aplicativos ou mesmo uma reportagem em texto.
Acredito que o caso do vazamento dos relatórios do Afeganistão mostra um caminho que será cada vez mais comum. A publicação na web de informações brutas por parte de governos e organizações públicas e privadas. E o trabalho da imprensa em traduzir essa montanha de dados. Contudo, para isso, serão exigidas “novas” habilidades das equipes de jornalismo, como noções de scraping (raspagem de dados), programação e uso de banco de dados.
Fonte: Tiago Dória
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